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Mostrando postagens de 2015

Leia o que te digo

Leia o que te digo Escute o que te escrevo Ouça o que te aponto Se esconda onde te vejo Olhe o que te grito Volte onde te alcanço Venha quanto te odeio Fuja quando te amo Seja para sempre O que já se passou Lembre eternamente O que está por vir Enquanto me viro do avesso E dentro de você Procuro por mim

Minha caneta vai pro fundo da gaveta

Como sempre, preciso escrever. Quando digo “preciso” significa mesmo uma necessidade e não um desejo banal. Sujar o papel com a tinta da caneta, para mim, é tão vital quanto puxar o ar para dentro dos pulmões. Deixá-lo de fazer reduz os dias que ainda restam. Todo escritor é, por natureza, um obcecado. Só sente o mundo escrevendo, escancara aquilo que calaria pelas palavras impressas, e, sobretudo, escreve para manter-se em pé. Pois é assim que tem de ser. Dito isso, devo agora confessar: estou doente. Ou melhor, esse meu eu-escritor é que está. Não tenho dúvida de que a doença que o abateu é a pior que poderia enfrentar, pois tem como principal sintoma nada menos que a falta de assunto. Para ele, é como morrer! Não ter mais sobre o que escrever. Não ter um tema que desperte interesse e inspiração suficientes para desenvolver pensamento particular que valha a pena ser compartilhado. Sua inspiração voou para longe ou o mundo é que em um instante ficou vulgar e desinteressante demais.

Tropeços

Já tentei trocar os sapatos Amarrar o cadarço Andar descalço Já tentei dar a mão Ir rente ao chão Me apoiar na parede Ou no corrimão Já tentei usar bengala Muleta e andador Já tentei segurar a dor Prender o ar Já tentei de tudo Mas a cada passo na calçada É um tropeço meu No meio do Nada Nessa vida estou aprendendo a caminhar (e na queda nunca encontro o chão)

A Foto

Foi durante aquele fazer nada, quando tiramos um tempo para ver as últimas atualizações das redes sociais, com postagens irrelevantes a respeito de assuntos desimportantes, que vi a foto. Serviu como um despertador. Acordei do transe, engoli seco, a barriga gelou. A foto, que há pouco chocara o mundo inteiro, naquele instante me chocava também. Até aquele momento, não sabia nada a respeito das circunstâncias, mas a dor pelo soco no estômago estava bem clara. A imagem era também um grito mudo e ao mesmo tempo ensurdecedor. Um bebê, de apenas três anos, sem vida deitado na praia, de frente à água rasa do mar. Definitivamente algo estava muito errado naquela cena. Fui procurar saber do que se tratava. Me deparei com a história de Aylan Kurdi, um menino sírio nascido durante a guerra e que morrera tentando fugir dela, ao lado de sua família. Eles eram de Kobane, cidade que ganhou destaque por ter sido palco das violentas batalhas entre militantes extremistas muçulmanos e forças curdas no

Hoje faz um mês

Hoje faz um mês. Que saio de casa sabendo que na volta você irá me receber. Abrirá a porta, os braços e um sorriso. As palavras jamais ousarão interromper o reencontro. O silêncio será quebrado somente pelo toque das bocas, saudosas. O “bem-vindo” dito com o olhar. Hoje faz um mês. Que a casa é a mesma e outra ao mesmo tempo. O cheiro mudou, os móveis foram rearranjados e é como se todo o resto também tivesse ganhado mais cor. Minha casa virou nossa e se transformou em seu ateliê, é a exposição de sua arte, com um espectador exclusivo: eu. Quanta honra! Hoje faz um mês. Que nos sobram vontades e nos falta tempo. Temos a família para visitar, os amigos para receber e tantas outras coisas em mente. O final de semana teria que ter pelo menos o dobro de dias para caber nos nossos planos. A vida teria que ser duas. A eternidade é pouco para nós. Hoje faz um mês. Que dividimos a mesma cama. Adormecemos quase sempre ao mesmo tempo, os pés encostados para tranqüilizarmos nossos

Para Sempre

Você já se perguntou do que é feito? Apenas uma junção de órgãos e sentidos que, estando em pleno funcionamento, te permitem existir? Ou você é aquilo que pensa? Tuas idéias, teu estilo de vida, formam tua marca no mundo? Ou será que você é o que possui? O material sobreposto ao imaterial? Quer um tempo para pensar? Dia desses ouvi em um filme: “cada ser humano não passa de um tubo, processador de merda”. Seria apenas isso? Não sei você, mas eu responderia que todas as alternativas anteriores estão certas. Carregamos cada uma daquelas características, inclusive o tal “tubo processador de merda”. Somos tudo isso e mais um pouco, dependendo unicamente do ponto de vista. Mas, para mim, o principal, aquilo que realmente nos faz humanos, não foi citado: a memória. Ou melhor, a forma com que lidamos com ela. Somos principalmente resultado daquilo que vivemos, das experiências que adquirimos, dos nossos erros e acertos, enfim, somos um conjunto de lembranças, que formam nossa memória. Cad

Boteco Brasil

Entro no bar e me sento na primeira mesa vazia. Peço o de sempre, um chopp com a porção que é a especialidade da casa, enquanto observo ao redor. Há pouco movimento, é fim de noite. Sobra tempo para o Antônio, garçom e bom de papo, assistir à repercussão das manifestações pela televisão e filosofar em voz alta: - Veja você, eles agora vão ter que fazer alguma coisa. O povo não agüenta mais esse governo de merda - reflete mais para si mesmo que para o resto do bar. - Hum-hum, verdade - respondo para o vazio, enquanto me concentro na comida. A atenção de Antônio é desviada por um sujeito que chega até o balcão. - Me vê um uísque duplo, sem gelo. Reconheço a voz, mas impossível saber de quem, já que o homem está de costas. O sujeito recolhe o copo, agradece o garçom e caminha até minha mesa, onde senta sem pedir licença. Conheço ele, mas não consigo me lembrar de onde. Vou fuçando todos os cantos escondidos do meu cérebro, enquanto me seguro para não demonstrar surpresa – é do e